O passeio dos ingleses foi o meu primeiro registro de evento público no Porto.  Eu estava bastante ansioso para ver muitos dos carros cujas miniaturas serviram para aplacar minha horas de tédio na infância e criar meu universo paralelo. Lembro de fazer os carros interagirem com latas e bugigangas que na minha cabeça eram uma cidade futurista. Gostava bastante de imaginar os pequenos carros de metal transitando entre placas de circuitos de TV ou rádios velhos que eu fazia questão de guardar, imaginando que fossem fábricas e casas futuristas, no fim não tava tão errado assim. Gostava de empilhar livros como se fossem prédios e, por vezes, imaginar a face de disco de vinil como sendo uma pista redonda para uma corrida de carrinhos. Muitas vezes eu colocava os carros em cima de discos girando na velha radiola gradiente e ficava fitando por horas enquanto narrava.
      Para o passeio dos ingleses eu não dispunha mais dessa onisciência infantil, nem da minha radiola gradiente, embora guarde alguns discos. Cheguei cedo e fiquei observando o lugar, o belíssimo céu particlarmente azul no dia do evento, a vista do mar ao fundo e as pessoas em volta e decidi fotografar os carros numa pegada mais cinematográfica e dando ênfase à relação entre as pessoas e os carros, tanto os donos, orgulhosos e satisfeitos por terem, uma vez no ano, seu trabalho de cuidado e esmero com a máquina reconhecido e ovacionado, quanto os transeuntes curiosos que pululavam em volta com seus celulares e vontade incontrolável de postar. Essa fotografia exige um tratamento particular para destacar o carro com ampla nitidez, não efetar tantos as pessoas ao redor e dá a atmosfera do ambiente. Acredito ter ficado a contento. O momento do desfile foi o mais conturbado, pois eu estava no banheiro e saí correndo ao perceber que o desfile começara, mal conseguir configurar o equipamento para fazer uso da técnica de panning, que tinha inicialmente pensado. Foi o que deu, cheguei e fotografei os últimos carros da forma mesmocomo a câmera estava configurada, escolhe rapidamente um lugar possível e cá está. Viver é muito perigoso, costumava dizer Guimarães Rosa. O beijo, amigo é a véspera do escarro, já escreveu o outro, e ir ao banheiro pode ser a véspera do ocaso. Leite derramado, só restava ver os "vovôs" indispostos que se recusaram a desfilar e que talvez já ternham feito esforço o bastante para chegar até aquela bela praça numa manhã tão ensolarada.

You may also like

Back to Top